NÃO CHAME SUA MULHER DE “MINHA MULHER”

No começo dos anos 2000 eu trabalhava no escritório do depósito de uma loja de móveis. Diariamente pegava o ônibus Interbairros, que dava volta na cidade inteira antes de chegar ao meu local de trabalho, que nem ficava tão longe assim da minha casa. Se eu tivesse um carro, conseguiria fazer o percurso em cerca de 15 minutos, mas de ônibus, levava mais de hora. Por essa razão, ficava de olho nas regiões em que os caminhoneiros passariam nas últimas entregas do dia para pedinchar carona, caso eles fossem perto de onde eu morava.

Um dos que costumava me levar era um homem com seus quarenta e tantos anos, baixinho, rechonchudo e jeito simples de quem veio do interior para trabalhar na capital. Vou chama-lo aqui de Valdi, apesar de não lembrar ao certo que agora se ele era o Valdi ou o Edson.

Na boleia dos caminhoneiros daquela loja era comum ouví-los fazendo comentários gosmentos a respeito das moças que viam passando pelas calçadas. “Gostosa!” “Ô lá em casa” e “olha que rabão!” eram gentileza perto do que meus colegas de trabalho falavam. A maior grosseria que ouvi, e que não esqueço até hoje, veio de Valdi, que ao ver uma garota com corpo volumoso passando na rua, meteu a mão na estridente buzina do caminhão e gritou pela janela: “Meu Deus! Isso que é mulher!” e voltando-se ao volante falou, em voz mais baixa, como para si mesmo, disse: “e não aquela bosta que eu tenho lá em casa…”.

Pois é, a “bosta” a que ele se referia era sua esposa.

Dá para imaginar que Valdi é daqueles homens machistas que tratam a esposa como nem um bicho sarnento mereceria ser tratado, mas era bem o contrário.

Logo que comecei a trabalhar naquele depósito, Marcão, meu colega de escritório atendeu o telefone e gritou para se fazer ouvir no barracão: “Valdi! Sua esposa no telefone”. Valdi apareceu mais rápido do que o Super Sonic usando botas da velocidade e falou com sua esposa com palavras carinhosas e cheio de medo. Parecia um menininho raquítico falando com o valentão da escola da maneira mais passiva possível para evitar de levar outro chá-de-cueca. Depois que ele voltou aos seus afazerem, Marcão me falou:

– Essa mulher do Valdi é o cão, piá. Já esteve aqui no depósito procurando por ele. Cuidando quando atender ligação dela.

– Como assim “cuidado” – respondi, já ficando aflito também.

– Não fale muito com ela, só chame o Valdi e diga se ele está ou não está, mais nada. Vai por mim.

Atendi ligações dela algumas vezes e pude notar o timbre de voz ríspido da mulher. Quando ele não estava, apenas dizia “não está presente no momento” e me esquivava de qualquer outra pergunta que ela fizesse, quando estava, ele repetia o comportamento: amorzinho pra cá, minha vida pra lá, enquanto tremia de nervosismo ao telefone.

Lembrei de Valdi essa semana ao me deparar com este tweet da ativista Debora Diniz:

Já era de se esperar que tal comentário geraria uma boa dose de polêmica nas repostas da publicação. Eu mesmo me senti de certa forma ofendido com a “regra” pois faço questão de chamar minha mulher de “minha mulher”, quando me refiro a ela para outras pessoas.

Certa vez ela chegou a me dizer que se sentia incomodada com a forma a que eu me referia a ela: “Eu vejo os outros homens se referindo a suas esposas como ‘esposa’ mesmo. Parece que falando ‘minha mulher’ poderia ser qualquer uma”.

Eu expliquei meu ponto: “Não é qualquer uma. É a MINHA mulher. Dizer ‘minha esposa’ parece formal demais. Falaria assim num ambiente mais impessoal, mas com amigos e colegas, soa como se nossa relação fosse puramente institucional, que não houvesse mais calor em nosso casamento. Eu só te chamaria de ‘minha esposa’ quando eu não te enxergasse mais como mulher”.

A forma como nos referimos a outras pessoas diz muito sobre o que pensamos dela e nosso grau de aproximação. Por exemplo, um filho que chama o pai pelo nome, mostra que o respeita, mas não se sente muito próximo. Mesma coisa para como os maridos se referem à suas esposas. Tem aqueles que a chamam, para seus amigos, de “patroa”, e isso já denota que em casa, quem manda é ela, mas eu ainda sinto carinho e calor nessa palavra. Quando o marido chama a esposa de “dona encrenca”, aí lascou tudo. Quando, numa conversa informal, vejo alguém falando “minha esposa” para se referir à mulher com quem é casado, sinto um certo distanciamento do casal. Pode até não ser o caso, mas é a impressão que fica.

Usar o nome para se referir a uma pessoa íntima, como Débora Diniz sugeriu que os “homens do século 21” fizessem, é de uma frieza enorme. As pouquíssimas vezes que minha mulher me chamou pelo nome, estava brigando, e brigando feio! Por isso, ouvir meu nome saindo da boca dela soa mais ofensivo do que um xingão.

Recentemente está rolando uma onda de revisionismo linguístico que trouxe algumas coisas boas, como livrar nosso palavreado de termos de origem preconceituosos, e trouxe também coisas que soam mais como pura e simples cagação de regra sem sentido. Mudar os termos que usamos não mudam o que queremos dizer com esses temos, é a sociedade que dá sentido às palavras e não o contrário.

Eu entendo perfeitamente a intenção do pedido para usar “minha mulher” para um marido se referir à mulher com quem casou: a palavra “minha” pode ter o sentido de posse. Não fiz uma pesquisa sobre a raiz do termo, mas não duvido que se origine dos tempos em que os homens eram, sobre os olhos da sociedade e, em parte, até da lei, proprietários das mulheres que desposavam. Esse sentimento pode culminar em relacionamentos abusivos ou coisa até pior. Porém, não é a forma como falamos que vai mudar isso e sim que o marido deve ter consciência de que não é dono de quem se relaciona, independentemente de como a chame.

Tem a questão do machismo estrutural, que são conceitos impregnados na nossa cultura que normalizam condutas que inferiorizam as mulheres e há quem pode dizer que “minha mulher” faça parte disso, mas eu discordo. Por mais que em tempos antigos essa pode ter sido a intenção, os tempos mudam e o significado das palavras também. Não me lembro de nenhum homem se referindo à esposa como “minha mulher” com conotação de propriedade, como se estivesse falando do seu carro, por exemplo.

Eu sou sim a favor da igualdade, tanto cultural quanto linguística, mas creio que isto deve ser feito através de inclusão e não da exclusão. Porque invés de pedir para os maridos não chamarem as esposas de “minha mulher”, as esposas não se acostumam a chamar os maridos de “meu homem”? Eu ia adorar ouvir minha mulher me chamando de “meu homem” quando se refere a mim nos bate-papo com suas amigas. Invés de achar que ela está me tratando como propriedade, eu ia é ficar com tesão (fica a dica aí, morzinho).

Provavelmente vai ter gente dizendo aqui que estou fazendo mansplaining, manterrupting, e que eu devia é estar pedindo desculpa por ter nascido com um pênis invés de escrever o que eu penso, mas acho que a construção de uma sociedade igualitária não deve ser feita com opiniões unilaterais e quando interferem na maneira como eu falo, eu tenho lugar de fala sim e tenho direito de expressar o que penso sobre o assunto. Pois sei bem que não adianta um marido falar o que a esposa quer ouvir pela frente, e pelas costas a chamar de “aquela bosta que eu tenho lá em casa”.

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Publicado por Alessandro Velberan

Produtor do Canal Velberan Games, apresentador do Canal Bom de Garfo e autor do livro No Meu Tempo as Coisas Eram Diferentes.

20 comentários em “NÃO CHAME SUA MULHER DE “MINHA MULHER”

  1. Bom texto Velberan e boa reflexão.
    Muitas expressões realmente estão datadas e devem deixar de ser usadas mas outras como “minha mulher” pode ainda ser usadas de uma forma carinhosa e próxima que o marido tem da esposa…
    Aguardo por mais boas postagens.

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  2. Concordando com “Mudar os termos que usamos não mudam o que queremos dizer com esses temos”. Eu posso te chamar de “meu anjo” com o mais puro tom de escárnio e até te chamar de “arrombado” de maneira fraterna.
    O termo usado, exclusivamente, não indica como me sinto em relação ao meu interlocutor e claramente pode ser usado como forma de alguma figura de linguagem. Ou seja, não importa como terceiros se sentem à respeito de nossa relações, o que importa é como se sentem as pessoas com quem nos relacionamos.
    ###
    Sempre ouço as mulheres negras de filmes americanos falarem “meu homem”, pelo menos na dublagem. Mas nunca ouvi alguém falar no Brasil.

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  3. Vi o pessoal do Facebook implicando com o texto, mas a real é que eu não vi nada demais, o Velberan só tá expondo um ponto de vista de um assunto bem recorrente e , inclusive, curti bastante, não concordo com tudo, mas é bom ver conhecer a opinião de um produtor de conteúdo que acompanho e admiro muito.

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  4. Me senti naquela parte de que quando ouve o próprio nome sendo chamado pela companheira já sabe que o clima esquentou, e olha que eu só namoro 😳😳😳

    Gostei do texto, Velberan 😁 Eu ainda não cheguei, e n sei se chegarei, na parte de chamar de “minha mulher”. Sinto a ternura no jeito mas acho que não é minha praia. Curto mais apelidos carinhosos, acho que pelo motivo dito pela moça do tweet e pelo que você reçaltou

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  5. Concordo 100% com seu texto velberan, eu e minha namorada só nos chamamos pelo nome quando brigamos, engraçado isso, somos jovens e ela ama q eu chame ela de “minha mulher”, mas uma parte da socidade gosta de “criar” regras como se todo mundo quisesse isso, ela msma acha um absurdo nao poder chamar a propria esposa de “minha mulher”

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  6. Concordo. Hoje em dia, se deixar, tentarão cagar regra até sobre como se deve cagar. Se uma mulher se interessa pelo “homem do século 21” certamente ela deixará bem claro. Do mesmo modo que as que preferem um homem mais raiz o farão. O que tem faltado ultimamente a essa geração é perceberem que na “boa intenção” de igualar todo mundo, esquecem que cada indivíduo é um ser único, cada pessoa um universo próprio que deve ser respeitado.

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  7. Às vezes não o que se fala, mas forma como se fala que dá significado ao que foi dito. O problema não é chamar de minha mulher, o problema é o geito como o homem fala isso, se fala com carinho, respeito ou se fala como se tivesse se referindo a um objeto.

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  8. Boa noite! Gosto muito dos seus vídeos, mas até você caindo nessa onda de politicamente correto, fala sério… daqui a pouco não vai poder mais dizer: minha mãe, meu pai, meu filho, meu irmão… Palavras normais estão ofendendo os sensíveis de plantão. Ainda usa como base, a Débora Diniz que que não faz muito tempo estava preocupada com a “perseguição de pedófilos”.

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  9. Gostei do texto e de ver sua visão do assunto. E entendo que o uso de algumas expressões não carregam certas intenções por parte de quem fala. Contudo, isso não impede de que as palavras e expressões caiam em desuso. Aqui na Alemanha, a galera se importa muito com isso e algumas palavras com tons machistas por exemplo, foram retiradas de textos oficiais, mesmo que, comumente, as pessoas não tivessem essa intenção machista. Mas como disse, ela carrega isso de sua origem. Eu não sei até que ponto é saudável manter ou não esse tipo de palavra, mas eu olharia o contexto em que fora criada. Acredito que dificilmente você se enquadraria nos conceitos de mansplaining e manterrupting. Porque você está falando de algo seu, um ponto de vista e não “explicando o óbvio” para uma mulher. E no caso da segunda palavra, não está interrompendo alguma mulher.

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  10. Eu tinha escrito um comentário longo, tinha redigido, tudo bonitinho ai na hora de logar deu erro e eu perdi então vou tentar escreve tudo de novo hoje
    Velberan, eu pensava igual você até chegar no seguinte parágrafo: “Porque invés de pedir para os maridos não chamarem as esposas de “minha mulher”, as esposas não se acostumam a chamar os maridos de “meu homem”?”
    Isso me fez

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  11. Não concordo e nem se quer eu li.
    Nenhuma pessoa do mundo , pode te dizer o que vc deve fazer ou não , pessoas que te dizem o que fazer geralmente não são pessoas do bem e querem que vc viva na mesma bolha delas.
    Chamem sim , sua mulher de SUA MULHER , chame sua companheira como vc quiser afinal é ela que está do sue lado a Vida Toda , Cuidando de vc dos seus filhos não deixe que pessoas ou mulheres que não são amadas de comportamento Infantil beirando a Criancisses mande na sua vida.
    Seja Feliz , nao siga cartilha de ninguém , se errar erro com suas proprias pernas.
    Essas Feministas falam de volores , mas duvido muito que elas tenham coragem de limpar o Proprio Prato que comem , que tenham Coragem de ajudar crianças no hospital do cancer , que ajudam o irmãozinho , que ajuda a mãe em casa …
    Elas não fazem isso por isso tem tempo para pensar asneiras –
    One há o FEMINSITO nao HÁ FELICIDADE , as crianças não Sorrir , os Jovens nao Sorrir , ninguém é amigo de ninguém e só existe o medo …
    Não tenha medo , nao tenha medo de agir como vc quer .
    RESPEITEM A VIDA , RESPEITEM O QUE VCS SÃO , Não briquem com a Natureza , respeitem as leis dela.
    Viva a sua vida e nao deixem os outros viverem por voce!

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  12. Excelente texto! Acho incrível a maneira que você consegue conduzir o texto. Sobre o texto, assino em baixo de tudo o que você disse. Muitos termos, apelidos e maneiras de se chamar o companheiro vem da intimidade do casal, então é bem complicado quando existem pessoas que se doem por nós. É claro que a sociedade, as palavras e os costumes evoluem, mas tudo vai da intenção com a qual você usa aquela palavra para se referir ao seu companheiro.

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  13. Mano! um blog em 2021, além de retro gamer o cara é retro comunicador.
    Ótima reflexão cara, imagino que só por tocar no assunto muito chorume chegue ate você, parabéns pela coragem.

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  14. Falou tudo Velbs!!!

    Pq não é como vc se comporta diante da pessoa que realmente conta e sim, quando não está na presença dela.

    E também te entendo perfeitamente, sobre o lance de chamar a sua esposa de “Minha Mulher”.
    Não é posse! Muito ao contrário! É mais um orgulho… Você poder falar Minha Mulher, sobre a pessoa que vc ama é uma exaltação de que, como Adão em Gênesis diz: Essa sim é ossos dos meus ossos é carne da minha carne!
    Mostra que vc tem orgulho que aquela mulher está do seu lado e escolheu vc como companheiro.
    E sim, dá muito tesão ouviu uma mulher falar que “Meu Homem”!
    Cara… Ficamos parecendo um pavão! Huhuhahaha!!! Pelo menos eu fico todo, todo!

    Se aí invés de só olharem o aspecto negativo das palavras ou expressões, e começassem a ver o que tem de bom em cada coisa, o lance da igualdade seria bem mais fácil de ser implantado e digo mais: Cada um aceitaria melhor o seu papel dentro dos relacionamentos e da sociedade.

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  15. “Usar o nome para se referir a uma pessoa íntima, como Débora Diniz sugeriu que os “homens do século 21” fizessem, é de uma frieza enorme.”

    Isso é sua desculpa pra justificar sua opinião. Chamar alguém pelo nome não mostra, de forma alguma, que tal relação é fria. Isso é uma afirmação totalmente sem base. Se quer chamar de “minha mulher”, chame, não tem que dizer que quem chama pelo nome é uma pessoa fria.

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  16. cara dentro da nossa relacao , acho que cabe a minha mulher decidir como quer ser chamada , e nao , como diria Vardi , aquela bosta la do twiter , kkkkkkk , decidir por nos como devemos nos comunicar !!

    Curtido por 1 pessoa

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