Como Foi Minha Vasectomia

Fiz vasectomia! Estou com 38 anos e tenho um filho de 15. Eu e minha esposa chegamos a cogitar algumas vezes em gerar mais uma criança, mas o tempo foi passando e a vontade de ser pai também. Por mais que eu tenha adorado a experiência, não teria a mesma saúde para fazer tudo de novo, então, antes que algum “acidente” acontecesse aqui, resolvi fechar a fábrica.

A decisão eu já tinha tomado há anos, o que demorou foi tomar coragem para fazer a cirurgia. Detesto hospital, detesto ir ao médico e fazer cirurgia então evito ao máximo! As únicas vezes em que fui pra faca foram para remover um siso e outra para fazer um canal (aliás, vou precisar fazer outro).

Há um mês fui ao urologista saber como o procedimento funcionava. Previamente realizei várias pesquisas, li muitos artigos e assisti a alguns vídeos de médicos e de homens que já realizaram a cirurgia, só faltava a opinião de quem iria realizar o ato.

O doutor me tranquilizou sobre a vasectomia, falando que é uma cirurgia simples (alguns médicos mal a consideram uma cirurgia, pois não tem os riscos e complicações esperados desses procedimentos) e, segundo ele, “se você aguentou fazer um canal, me aguenta também”. Ele me explicou os preparativos e o pós-operatório, e desmistificou algumas ideias que pessoas desavisadas costumam pensar a respeito. O que a cirurgia faz é cortar o canal por onde os espermatozoides passam para chegar à próstata, onde se misturam com o sémen e vão lutar pela vida quando ejaculados. Cortando este canal, os espermatozoides não encontram seu caminho, morrem e são absorvidos pelo corpo. Todo o mais continua igual: os testículos funcionam normalmente, produção de testosterona não é afetada e a ejaculação é a mesma, só que sem as minhoquinhas que fazem neném. Não é uma castração como fazem com os porcos e os touros, para engordá-los para o abate, é uma simples interrupção da fertilidade. O doutor também salientou a importância da decisão: vasectomia é um procedimento de esterilização permanente e, apesar de existir cirurgia de reversão, a taxa de sucesso é baixa. Quem se dispõe a realizá-la deve ter a plena certeza que nunca mais vai querer engravidar uma mulher por vias normais. Por fim, mas não menos importante (aliás, é uma informação importantíssima) o efeito da vasectomia não é instantâneo. Depois dos canais serem cortados, a próstata continua cheia dos espermatozoides que foram para lá antes da operação, e a esterilização só é concluída após cerca de 30 ejaculações para botar todas as praguinhas pra fora, e métodos anticoncepcionais devem ser usados enquanto isso. Depois do período, um espermograma deve ser feito para garantir que tudo saiu como planejado.

Decidido, marquei a cirurgia, que realizei na semana passada. Antes de sair de casa, fiz a brasileirinha (segundo o doutor, pelos juntam bactérias que podem prejudicar a cicatrização), respirei fundo e fui para a clínica acompanhado da minha esposa.

Apesar de toda informação que eu coletei, não tinha como não ficar nervoso. Iam enfiar um bisturi no meu saco! Como alguém pode ficar tranquilo numa situação dessas?

Vi várias vezes em postagens de redes sociais mulheres feministas ridicularizando o apreço que os homens têm com suas partes baixas, mas para mim, isso é como menstruação: somente quem menstrua sabe como é estar menstruada, e quem não tem ovários não tem conhecimento de causa para opinar a respeito. Quem não tem saco não tem nada que criticar o carinho que os homens têm por suas bolas também. Não é uma questão de masculinidade ou machismo, vai além. É como se a parte íntima do homem fosse uma criatura simbionte que o acompanha desde o nascimento. Ele é um companheiro para todas as horas e rende muitas alegrias, porém, é frágil, e cabe ao homem cuidar e proteger o seu bem precioso. Mais ou menos como um neném, que o pai e a mãe zelam o tempo todo para que nada aconteça, porém, o saco está lá no homem a vida toda, e protegê-lo se torna um instinto constante, como respirar. Não que o saco faça o homem, não me entenda errado, nem quero soar transfóbico ou coisa do tipo. Mas que tem, cuida.

Explicando isso, acredito que qualquer um vai entender por que eu estava me sentindo como se estivesse levando meu filho para tomar vacina. Sabia que ia doer, sabia que ele ia chorar e gritar e eu me sentiria um monstro por estar colocando-o naquele lugar, mesmo que fosse para o bem dele.

Dando a hora, minha esposa ficou na sala de espera enquanto eu fui ao vestiário. A enfermeira, uma moça de vinte e poucos anos, me instruiu a tirar toda a roupa, deixar os pertences no armário e vestir o avental descartável com a parte aberta para trás. Nos filmes esses aventais de hospital eram de um longo tecido firme azul, mas era um TNT tão fino que chegava a ser transparente e tão pequeno que mal consegui amarrá-la na minha cinturinha de botijão de gás. Provavelmente a escolha do material descartável seja por conta da pandemia, mas, ainda que eu seja uma pessoa bastante desinibida, me senti desconfortável e exposto com aquele avental ridículo.

Preparado, entrei na sala de cirurgia. O doutor me cumprimentou animado e vestiu seu avental (de bom material) enquanto a enfermeira me instruía a deitar na maca e me preparava. Estava eu lá com a piroca depilada de fora, toda encolhida como se estivesse prestes a levar um chute, mas outra coisa desviava minha atenção. Os dois continuaram uma conversa que eu perdi o começo, sobre um homem que entrou em contato com o doutor por estar com uma infecção no pênis. Ele tinha ido a outros hospitais, foi examinado e encaminhado para casa com uma receita para analgésico. Seu quadro só piorava, por isso falou com um amigo que falou com um amigo que pediu ajuda para o doutor que, depois que a enfermeira esterilizou a área da cirurgia, estava apertando o canal que seria cortado para localizá-lo.

– Vou aplicar a anestesia agora – disse ele – vamos fazer no lado esquerdo primeiro, depois aplico outra anestesia para o lado direito. Você vai sentir a picada e uma dor com o líquido entrando, mas depois não vai sentir mais nada.

A anestesia não foi tão dolorosa quanto imaginei, as que tomei quando tratei o canal foram muito piores. Mas eu não fiquei tão insensibilizado como o doutor me falou. Logo senti uma pinça, ou algo assim apertando a pele e o médico puxando algo de dentro. Que sensação horrível! Se alguém te falar que vasectomia não dói, pode saber que está de sacanagem. Parecia que estavam enfiando um anzol no ovo e puxando de dentro do saco como quem pesca um peixe. A dor é a mesma que senti quando levei uma bolada nas bolas, numa das minhas poucas tentativas de jogar futebol, nas aulas de Educação Física na escola. Falei para o doutor o que estava sentindo e ele explicou que era normal e continuou o procedimento enquanto falava com a enfermeira.

– O paciente me mandou a foto, estava horrível! O pênis todo inchado, já meio amarelado, um absurdo! Como os outros médicos viram aquilo e mandaram ele pra casa? Eu com uma foto que no celular já vi a gravidade. Mandei ele para o internamento na mesma hora.

– E como está? – perguntou a enfermeira, que no momento estava só de prontidão, afastada da maca – Não é caso de amputar né?

– Nada! Ele está com risco de morte, a infecção já se espalhou, estamos tentando salvá-lo.

Eu tendo os ovos pescados ouvindo aquela história trágica. Senti a linha dos pontos passando pela pele, o que indicava que um lado já tinha ido. A anestesia do lado direito foi aplicada e o doutor começou o procedimento da mesma forma que antes, mas dessa vez, doía muito mais! A fisgada era parecida, só que mais intensa, como se estivessem tentando tirar a bola pelo ouvido.

– Está doendo? – perguntou a enfermeira ao ver minha cara se contorcendo de dor.

– Pra caramba! Muito mais que o do outro lado.

– Ah, isso é normal – disse o doutor descontraidamente – Tem até estatística pra isso, o segundo lado sempre dói mais que o primeiro. Mesmo que faça primeiro o lado direito e depois o esquerdo, o segundo vai doer mais.

Ele aplicou outra dose de anestesia, o que aliviou um pouco, mas o incomodo continuou enorme. E o papo dos dois mudou: do nada, o doutor começou a falar de esquetes de humor que assistia no Youtube. Falou dos Barbixas – seus favoritos – e como ficou impressionado com o talento do Fabio Porchat, quando foi a uma apresentação de stand-up dele. Morri de medo que, ao relembrar as piadas, ele desse risada e a mão que estava me cortando escorregasse e cortasse o que não devia. Felizmente isso não aconteceu.

Pode parecer que estou relatando essas conversas em tom de reclamação ao profissionalismo do médico, mas só estou compartilhando e não me queixando. Por mais insólita que tenha sido a experiência, se ele estava batendo papo tão à vontade enquanto realizava a cirurgia era porque já tinha prática o suficiente para tal. Me lembrei de quando eu trabalhava em fábrica no Japão e papeava à vontade com os colegas, mesmo os chefes proibindo conversas durante o expediente. A repetição constante dos movimentos treinava minha memória muscular para repetir os procedimentos mesmo sem olhar o que estava fazendo. Para o urologista devia ser o mesmo, e me senti uma peça de carro na esteira da fábrica em que trabalhava, sendo parafusado enquanto eu conversava à toa.

Costurado o outro lado, a cirurgia terminou. Me vesti novamente com muita dificuldade, parecia que ele tinha arrancado meus testículos e colocado duas bolas de chumbo no lugar. Pesava, incomodava, e tinha aquela sensação de pós-chute no saco, que continua doendo mesmo após a pancada. Fui com minha esposa à sala dele, onde pegamos a receita de analgésicos e anti-inflamatórios que eu teria de tomar por alguns dias como prevenção. A cirurgia correu bem, e passando o período de três dias de repouso, com os cuidados que ele recomendou, tudo deveria estar em ordem.

Nos dois primeiros dias a sensibilidade na área atingida era absurda! O doutor disse que não havia necessidade de comprar uma cueca pós-cirúrgica, somente colocar uma meia enrolada debaixo das coisas, para mantê-las firmes e sem o risco de serem apertadas pelas coxas já resolveria. Foi o que eu fiz e a gambiarra econômica funcionou bem, mesmo assim, toda vez que me levantava sentia os ovinhos se mexendo desconfortavelmente dentro do saco, sentia o peso da gravidade agindo sobre eles de modo que nunca senti. Nos primeiros dois dias houve inchaço, e quando eu o olhava, me lembrava de quando levei meu cachorro para fazer uma cirurgia na pata. Ele, todo enfaixado, me olhava magoado como quem dizia: “você deixou eles fazerem isso comigo”. Meu saco me olhava igualzinho. Para dormir também foi complicado pois tenho costume de dormir de bruços ou de lado, e foi um terror conseguir dormir de barriga pra cima, para não correr o risco de apertar as coisas durante o sono.

Felizmente, no terceiro dia o inchaço reduziu bastante assim como o desconforto. A cicatrização está ótima e já estou uns 80%, falta só o ovinho direito – o que doeu mais durante a cirurgia – terminar de se recuperar.

Provavelmente vasectomia está entre as mais simples das cirurgias. A operação, os riscos e a recuperação são muito mais tranquilos que a maioria dos procedimentos que podemos sofrer, mas isso não quer dizer que ela seja agradável ou indolor. Isso sem falar que ela mexe com a parte mais sensível do corpo masculino, e por isso afeta tanto o físico como o psicológico. Porém, agora que já estou quase totalmente recuperado, posso dizer que passar por tudo isso para nunca mais precisar fazer pinguelo valeu à pena, sem falar que a preocupação do risco de algo dar errado durante uma relação com a patroa estava afetando meu desempenho na cama. Sobre a preocupação de perder a potência ou coisa assim, ela foi afastada logo no segundo dia a cirurgia. Estranhamente voltei a ter ereção espontânea quando acordo, coisa que, pra quem não sabe, costuma ser normal em homens de menos idade, mas acontece com menos frequência com o passar dos anos.

Sexualmente, há anos não me sinto tão disposto e viril. O único trauma que a vasectomia me deixou foi ter que lembrar de ter o saco cortado toda vez que ver o Fabio Porchat na propaganda de TV por assinatura.

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Publicado por Alessandro Velberan

Produtor do Canal Velberan Games, apresentador do Canal Bom de Garfo e autor do livro No Meu Tempo as Coisas Eram Diferentes.

5 comentários em “Como Foi Minha Vasectomia

  1. Caramba Velbs, não sabia desse lance até ler o texto, agora – 15/2/2021. Sofrido, mas resolvido. Eu não quero ser pai – tenho quase 44 anos – e nenhum filho na Terra. Não sei se faria este procedimento. Bravo você foi. Abraço de seu fã!

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  2. Não te conheço, nunca te vi na vida. Nem lembro como vim parar aqui depois dessa conversa toda. Mas já me sinto íntimo seu e seu relato me fez ter filhos pelo resto da vida. Que se foda essa porra, mas não vou deixar ninguém mexer nas minhas bolas.
    Forte abraço e obrigado.

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